Carlos Eduardo Lamas

Entre paixão e instituição - Mais casamentos, mais divórcios

Carlos Eduardo Lamas
Advogado, especialista em Direito das Famílias
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Dados do IBGE mostram que nunca se casou tanto. Em 2021 tivemos 932 mil casamentos, contudo, o mesmo instituto revela outro dado: o número de divórcios aumentou em maior proporção. Em 2021, houve 386 mil divórcios, aproximadamente 16% a mais do que em 2020. Outro dado interessante que a pesquisa nos traz é que a média de tempo entre a data do casamento e a sentença ou escritura pública do divórcio, que em 2010 era de 15,9 anos, caiu para 13,6 anos em 2021, ou seja, os relacionamentos estão durando menos.

A sabedoria popular sustenta que isso se dá pela fragilidade das relações atuais, o tal do amor líquido, nas palavras de Zygmunt Bauman. Sustentam ainda, baseado em posicionamento moralista, que não há mais seriedade no casamento e que a família está acabando. Não há dúvidas que o ser humano, em especial hoje em dia, é intolerante à imperfeição do laço conjugal, o que contribui também para os desfazimentos, mas a análise não pode se dar sob uma ótica moralista. Importante percorrermos um pouco da história legislativa do divórcio.

Até 1977 o casamento no Brasil era indissolúvel, pois considerado um sacramento. Após esta data o divórcio foi instituído, contudo com diversas dificuldades, como variantes de tempo e perquirição da culpa. Em 2010, através da Emenda Constitucional 66, foi permitido o divórcio sem prévia separação judicial, ou seja, não há mais necessidade de esperar um ano da sentença da separação ou dois anos de separação fática para se divorciar.

Como já mencionei nesta mesma coluna em outra oportunidade, pode-se casar hoje e se divorciar amanhã. A família não está sendo dizimada, a família está sendo reinventada, com força no afeto, pois, conforme expressa Roudinesco, há um desejo latente em todos (homens, mulheres, crianças) de constituir família, claro, cada um ao seu modo.

Não há como deixar de observar algumas mudanças nesta família, para melhor. A família contemporânea se desagarra do patriarcado, ao menos de forma formal, tendo em vista a igualdade de gênero, pois, lembremos que o código civil anterior (vigente até 2001) determinava que o marido era o chefe da família. A partir da revolução feminina e reconhecida a realidade do eros feminino, fica claro que o casamento que não esteja fundado no afeto não mais tem a necessidade (cultural) de continuar vivo. Melhor dizendo, o casamento perde sua necessidade e ganha uma essencialidade. O divórcio, neste passo, não é um vilão, ao contrário, é um instrumento que possibilita a reestruturação das relações familiares, que na maioria das vezes resulta em outros agrupamentos afetivos, redefinindo papéis sexuais, parentais, oportunizando realizações emocionais que eram inacessíveis dentro de um casamento/união estável com elevado grau de tristeza e conflito.

Em verdade, conforme Pascal Bruckner, o divórcio devolve ao casamento sua dignidade. Mas ao amor é dado fracassar, ao divórcio não, em especial quando o casal conjugal passa a ser um casal parental. Uma vez pais, para sempre pais, pois lhes cabe a divisão da responsabilidade da educação dos filhos, mesmo com os riscos (contém ironia) de uma alegria mútua.

O fato de uma relação chegar ao fim não invalida o seu sucesso e sua beleza, ao amor várias vezes com duração indeterminada, à infelicidade conjugal o fim, aos casais a felicidade, juntos ou separados.

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